Em nossa sociedade, há um cuidado excessivo em evitar os chamados "traumas" na criação das crianças. Se antes os filhos eram muitas vezes negligenciados em meio às obrigações dos adultos, hoje ocupam um lugar central — às vezes até excessivo, tornando-se pequenos "monarcas" sem limites claros.
A psicopedagogia reforça a importância de respeitar as classificações indicativas do que as crianças consomem. Desenhos animados, antes vistos com naturalidade, hoje são alvo de críticas rigorosas.
A indústria do entretenimento, por sua vez, adaptou-se: histórias ganharam cores vibrantes, músicas cativantes e vilões reformulados.
O lobo mau agora é um detetive incompreendido; a rainha má, uma vítima de traição que busca vingança, sendo escala até uma atriz cativante para o papel.
Mas será que os contos de terror tradicionais eram realmente prejudiciais? Será que não cumpriam um papel essencial: alertar as crianças sobre os perigos reais do mundo?
Afinal, um pai negligente ou uma madrasta cruel causam mais danos do que uma história bem contada.
Os contos antigos mostravam que o mal existe, não como magia ou monstros sobrenaturais, mas na forma de violência, manipulação e abuso.
“João e Maria” ensinava que a fome e a influência negativa podem levar um pai a abandonar os filhos, e que ofertas tentadoras (como uma casa de doces) muitas vezes escondem o perigo.
“O Curupira e a Caboclinha” lembravam que a natureza exige respeito, pois pode ser tão implacável quanto qualquer entidade lendária.
Branca de Neve ia além do "príncipe encantado": mostrava que o amor verdadeiro (seja de um amigo, irmão ou parceiro) pode resgatar alguém da solidão e da tristeza.
“O Boto Cor-de-Rosa” alertava as meninas sobre homens sedutores que faziam promessas vazias. “O Lobisomem” simbolizava a luta interna entre a razão e os instintos mais sombrios.
E esses contos também ensinam aos adultos. Afinal, muitos "vilões" das histórias infantis não nasceram monstros — tornaram-se cruéis por ambição, inveja ou abandono. A madrasta da Branca de Neve é consumida pela vaidade; o lobo de Chapeuzinho Vermelho é voraz e manipulador.
São espelhos distorcidos de falhas humanas, lembrando que a maldade muitas vezes começa pequena, em escolhas egoístas e atitudes negligenciadas. Se os pais e educadores refletirem, podem evitar tornar-se, mesmo sem querer, as figuras assustadoras que tanto temem nos contos.
Leiam para seus filhos. Explorem juntos esses universos. Mostrem que o medo, quando bem direcionado, nos mantém alertas — tão essencial quanto o alimento que nos sustenta.
E que o mal pode ser derrotado, nem que seja no nosso humilde interior.